sábado, 6 de setembro de 2008

Mário de Sá-Carneiro, um dos meus poetas preferidos.

(1890-1916)


Aos dois anos de idade ficou órfão de mãe. Seu pai iniciou uma vida de viagens, deixando Sá Carneiro com os avós e uma ama.


Marcado por uma vida solitária, começa a escrever poesia em 1902 e em 1904, regressado o seu pai, Sá Carneiro depara-se com a possibilidade de viajar pela Europa ( Paris, Suiça, Itália, Nápoles), abrindo-lhe novos horizontes.








"SÁ CARNEIRO NÃO TEVE BIOGRAFIA: teve só génio. O que disse foi o que viveu." - Fernando Pessoa.

Mário de Sá Carneiro teve uma personalidade corroída pela neurose levada ao extremo e de uma sensibilidade multifacetada:

"Eu não sou eu nem sou o outro/ Sou qualquer coisa de intermédio/ Pilar da ponte de tédio/ Que vai de mim para o outro." - Mário de S. Carneiro
( poema cantado por Adriana Calcanhoto)

" Há sempre um arco no fundo dos meus olhos.../ A cada passo a minha vida é outra cruz/ E o meu coração gira: é uma roda de cores.../ Não sei aonde vou, nem vejo o que persigo..../ Já não é o meu rastro de ouro que ainda sigo...."
Como o poeta autêntico que foi, encarnou como nenhum outro, todas as frustrações e pesadelo de sua terra, dividida entre a nostalgia da glória e do luxo e a atracção pela modernidade europeia. Tudo nele é angústia pessoal, existencial, desencanto e filtração de angústias colectivas.

Quási

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
(Paris, 13 de Maio de 1913)


Sá Carneiro sucidou-se, com vários frascos de estricnina, a 26 de abril de 1916, num Hotel de Nice, suicídio esse descrito por José Araújo, que o poeta chamara para testemunhar.
Seu único amigo na realidade foi Fernando Pessoa que o compreendeu e ajudou enquanto pôde e a quem escreveu um bilhete antes de se suicidar:

" Um grande, grande adeus do seu amigo Mário de Sá-Carneiro"
A este propósito, Pessoa escreveu:
" Morrem cedo aqueles que os Deuses Amam."



[ Bibliografia, poema retirado do livro: "Poemas portugueses para a juventude" de Eugénio de Andrade; Bases biográficas do poeta: http://www.wikipédia.com/]