sábado, 27 de setembro de 2008

Fazes-me Falta, Inês Pedrosa

Nasceu em 1962.
Feminista convicta, tomou posição pública a favor da despenilização e da interrupção voluntária da gravidez e a favor do casamento entre as pessoas do mesmo sexo em Portugal.
É casada com o poeta e crítico literário Fernando Pinto do Amaral, de quem tem uma filha.

O LIVRO- meu resumo.


Fazes-me Falta é um romance no qual duas vozes se intercalam: a primeira pertence a uma pessoa que acabou de morrer, uma mulher, que não consegue encontrar o eterno descanso por continuar demasiado ligada a vida e às pessoas que deixou. É uma alma que vagueia, perdida nos momentos e nas curvas do tempo.
A segunda voz sai da garganta de alguém que sofreu a perda de uma pessoa muito querida, um complemento de si mesmo, um anexo da sua alma. Esta voz masculina, viaja nas dores da ausência, do silêncio, é a voz que causa mais impacto na leitura, que utiliza palavras mais duras, regadas de mágoa e de incompreenção sobre o que a morte é. Sente a revolta que todos sentimos quando perdemos um ente querido.
É na voz masculina que encontramos interrogações sobre a morte, o sentimento de derrota e de raiva por não conseguir impedir que esta surja na sua vida e na vida das pessoas que ama.
Conforme o avançar da leitura, esta induz-nos à reflexão: Amamos as pessoas como devemos enquanto podemos?
Não é de uma relação entre dois amantes que se trata esta história, mas sim, de uma amizade que atravessa todas as fronteiras, uma amizade indefinível, sem dúvida alguma mais forte do que o próprio amor entre dois apaixonados.
Esta história trata-se de um processo mais complexo, num espaço de infinita sexualização pela pura e também pela impura ausência dos corpos, numa espécie de invenção impossível a que apenas se pode dar o nome de Deus.
Deus é um personagem deste livro, é a parte intocável da história, tornando-a singular:
"Talvez não haja idades. Só mortos ressoando pelos canais do Tempo, mortos que, como ímans, aproximam e afastam os que ainda não morreram. Tu trazias tantos mortos na sombra do teu sorriso. É por isso que se pode dizer que ' Deus é uma conspiração de mortos contra a amnésia dos vivos."
Não se sabe onde a figura feminina se encontra, não se fala em céu, muito menos em "salvação", mas sabe-se que ela encontra-se próxima da voz masculina, porque em determinados momentos da sua fala ela responde as perguntas que a voz masculina lança ao ar.
Este livro é um diário de recordações existentes entre duas vozes. Os pensamentos e lembranças encaixam-se em cada linha ali narrada, em total sintonia e cumplicidade.
( é de se salientar que: a voz maculina é destacada pelo negrito)
Aqui se seguem alguns excertos que me chamaram particularmente a atenção:
Ele:
" Como é que eu mato a tua morte? Em sonhos, vens-me buscar, levas-me para um corredor longo e frio.
Porquê há corredores, e tão escuros nos sonhos?"
Ela:
" Pai nosso, eu não quero já o céu.
Aos vivos, incomoda-os o cheiro dos mortos. Por isso os sufocam de flores, incenso, velas, tudo o que possa manter este cheiro longe do corpo concreto, ainda carne, ainda sangue, ainda quente. No lugar do morto, é o medo que enjoa e entontece(...)
Deslizo pelas esponjosas paredes da morte e capto a revelação da tua orfandade- não sabes amar sem mim(...)
Fui o interior do corpo de um homem que não pode ver-me morta. Ele deita-se neste instante no chão, no lugar onde há muitos anos me matou (...) Encosto-me à porta dessa casa que guarda o que não sabes de mim, o que nunca quis saber e fui. "